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terça-feira, 22 de julho de 2014

Insônia


Deitei na cama, virei para um lado, virei para o outro lado e assim sucessivamente. Deitei de costas. Abri os olhos e só vi a escuridão.
Estranho. Muito estranho. Quando eu era criança tinha medo de abrir os olhos, dormia sempre com alguma luz acesa. Tinha medo de me deparar com alguma criatura estranha ao lado da cama e confesso até pouco tempo tinha esse hábito.
Com os olhos abertos na escuridão, fiquei pensando, como deve ter sido triste para o meu pai permanecer na escuridão durante quinze anos. Como a sensação que tive por alguns minutos,só que durante todo tempo, exceto quando sonhava.
Certo dia ele disse: -“Gosto de dormir, porque nos meus sonhos eu consigo enxergar, tudo tão claro, tão nítido. Vejo os rostos, as pessoas sorrindo, os lugares que já percorri e lugares que desconheço”.
Será que a alma tem olhos?
Nesse caso o Gênio Maligno de Descartes o enganaria ao fazê-lo pensar que havia voltado a enxergar, enquanto apenas sonhava.
Pensando assim, consigo admirar ainda mais aquela figura, minha figura paterna, que tenho em minha mente guardada. Um Homem que nunca desistiu de voltar a enxergar e não permitia que sentissem pena dele. Certo dia duas senhoras chegaram lá em casa para profetizar e foram conversar com ele que estava sentado ao lado da velha casa, tomando sol, elas se aproximaram e o cumprimentaram e quando perceberam que ele não podia vê-las elas ficaram surpresas e disseram: -“Coitadinho, ele não enxerga.” E ele mais que de pronto respondeu: “-Eu não sou coitadinho, eu sou feliz por estar vivo e por poder sustentar minha família, não peço e nem vou pedir esmola para ninguém”. Elas ficaram envergonhadas, se desculparam e foram embora. A resposta foi um pouco rude mas demonstrou toda a sua hombridade.
No início ele ficou muito revoltado com a essa perda irreparável, aos poucos foi se adaptando. Continuou com seus afazeres. Consertava as cercas de arame, pregava algumas tábuas que se desprendiam da parede da velha casa. Acredite mesmo cego ele conseguia pregar sem martelar seus dedos, apenas com a habilidade do tato. Prendia as éguas na charrete e saia para fazer suas negociações. Trocava o excedente da produção por outras mercadorias que não produzíamos na chácara. Saia com sacas de laranja e voltava para casa com sacos de cebola, batatas.
Quanto a sua memória fotográfica,algo fora do comum. Os olhos da alma o guiavam, falando poeticamente. Cientificamente possuía uma excelente memória, apurou os sentidos e assim por diante...
Quando ele faleceu estava com medo de vê-lo num caixão, porém quando o vi, ele estava com um sorriso lindo, parecia que estava sonhando. Acredito que tenha voltado a enxergar. Isso aliviou meu coração.
Quando li Ensaio sobre a Cegueira, romance de José Saramago, fiquei encantada, pois autor nos faz lembrar "a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam".
“Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara”.
Muitas vezes, reparamos apenas a vida alheia.




Um comentário:

Sentimentos sao para serem expostos