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segunda-feira, 28 de julho de 2014

A maldade dos Homens...

Pensando em como os Homens podem ser maus,lembrei-me de mais uma história ocorrida na minha infância lá na Chácara de Cristal.
Tem a maldade pela ganância e inveja , tem a maldade por ignorância do bem e tem a maldade por pura maldade mesmo, tem gente que parece gostar de fazer o mau.
Fomos embora do sítio e viemos para Novo Hamburgo porque a paz daquele paraíso acabou.
Vou relatar a história:
Começamos a perceber que alguém ficava escondido atrás de uma pedra, cerca de um quilômetro da casa, praticamente todos os dias, observando nossa rotina, quando tentávamos nos aproximar, o indivíduo saia correndo. Nossa ingenuidade não podia prever o que estava por acontecer.
Certo domingo, fomos passear num dos vizinhos, não lembro qual e quando voltamos alguém havia entrado na casa. Roubaram o velho rádio do meu pai, um par de chinelos e um jogo de lençol. Não era muita coisa, mas algo absurdo, pois nunca soubemos de nenhum roubo nas redondezas. A porta era fechada com uma tranca de madeira, não havia chaves. Não deixou rastros, mas supomos que fosse o indivíduo que vinha rondando a casa.
Não parou por ai, depois desse dia, todas as noites ouvíamos os latidos dos cachorros próximo as estufas, onde ficava o poleiro das galinhas. Todas as noites sumia uma galinha.
Certa manhã um de nossos cachorros amanheceu boiando no açude, quando fomos retirá-lo de lá, estava com as quatro patinhas amarradas com um cinto. Choramos muito, era apenas um filhote da raça Collie. Começamos a ficar apavorados porque percebemos que ele não queria apenas roubar, mas amedrontar. Sabia que ali vivia um Senhor cego, uma Senhora e três crianças. Meu irmão tinha apenas quatorze anos.
O bandido descobriu onde ficava o disjuntor da luz e começou a desligá-lo quase todas as noites, o fato é que ficava cerca de quinhentos metros da casa e meu pai com porrete em punho e minha mãe iam em meio a escuridão religá-lo, correndo risco de serem surpreendidos. Algumas noites ele desligava o disjuntor depois que já tínhamos ido dormir e no outro dia, tudo que havia na geladeira tinha sido perdido.
Quando os cachorros começavam a latir, meu pai dava alguns tiros a esmo, para amedrontá-lo. No entanto isso não intimidou, pelo contrário, as vindas eram mais frequentes. Outra noite, os cachorros latiram muito próximo à porta da cozinha, já não arriscávamos sair para a rua durante a noite, reforçamos as trancas da casa. No outro dia percebemos que havia um pozinho verde em frente a porta da cozinha e as “espertas crianças” e curiosas colocaram água em cima,o liquido escorreu pelo terreiro, só que alguns pintinhos sedentos beberam dessa água e no mesmo instante, morreram.
Estávamos apavorados, não sabíamos o que fazer, percebemos que estávamos lidando com alguém muito mau. E por que nós? Falamos com os vizinhos, ninguém estava sendo roubado. Meu pai passou a manter o revólver próximo a ele, caso houvesse alguma invasão na casa.
Havia um vidente nas redondezas e meu pai, nos momentos de aperto o consultava.O Senhor Valdemar, pegava suas folhas de arruda, colocava em fileira no chão e proferia o que estava por vir; eu apenas observava. Meu pai perguntou sobre o que estava ocorrendo e ele disse:
- A raposa quando for buscar as últimas galinhas, deixará a cabeça.
Lembro-me das palavras como se fosse hoje, não disse nada de concreto, achei a visita em vão. O fato era que meu pai confiava nele, pois quando a égua cabana caiu na sanga ele disse que ela estava viva e que estava no buraco da lavoura de baixo. A égua estava lá de pé, sã e salva. Pensei, mas o que a raposa tem a ver com isso?
Voltamos para casa sem respostas de quem era a criatura que andava fazendo tantas maldades.
O fato é que houve uma trégua de algumas semanas e já estávamos um pouco mais relaxados.
Certa noite, os cachorros começaram a latir incessantemente atrás das estufas, parecia que estavam sendo provocados. Meu pai disse para mim:
-Filha, vai lá e toca um pau nesses cachorros para pararem de latir.
Eu peguei um pau de lenha e sai na rua, mas senti um calafrio muito forte e corri para dentro. Um mau presságio, eu acho.
O Meu irmão tinha ido dormir, era umas nove horas da noite, mas minha mãe o chamou para tomar uma sopa, ele estava meio sonolento. Os cachorros continuavam latindo e meu pai irritado deu a chave do cofre para o meu irmão e disse: - Pega o revólver e dá uns tiros para que os cachorros parem de latir. Deve ser o cachorro do vizinho que está por ai incomodando os outros.
Ele meio contrariado abriu a porta, a luz da rua clareava até o canto da estufa, e ele foi até lá, olhou e disse: - Aqui não tem nada, e virou-se de volta em direção a porta da casa que estava cerca de uns 200 metros.
Nesse momento, ouviu alguém correndo atrás dele, começou a correr também. Minha mãe grita:- Meu Deus, tem um homem lá.
Meu pai fica assustado, eu apavorada, são segundos que parecem eternos.
O Homem tenta puxar a blusa do meu irmão, ele no susto, sem olhar para trás atira, consegue se virar e disparar mais quatro tiros, o homem cai e o meu irmão grita: - Pai, matei um homem
Saímos correndo para a rua e o homem estava lá, estirado no chão, nunca tinha visto aquele homem, conhecíamos todos por ali e ele era a cara do Zé da Brema (minha parteira). Perguntei: - Mãe, parece o Zé da Brema, sabe quem é?
E ela falou: -É o filho do seu Saul, aquele que veio fugido da policia, lá de Porto Alegre.
O homem ainda respirava e meu irmão perguntou: -Pai, termino de matar, ainda tem duas balas. E o pai respondeu: -Não meu filho, esse já era. Foi legítima defesa, fez uma grande coisa, vai ganhar um boizinho por isso.
Os cinco tiros atingiram a cabeça e ele roncava muito alto. Eu estava arrepiada da cabeça aos pés. Parece que um carro arrancou lá da porteira. Será que ele estava sozinho? Perguntamo-nos.
Não tinha telefone, nem condução. Tínhamos que ligar para a polícia e para a ambulância. E dar a noticia a família, gente muito honesta, muito boa mesmo. Faríamos isso no outro dia, precisávamos ligar para a policia do cristal, tinha telefone apenas na venda do Tadeu. Tínhamos que sair dali. Eu e minha mãe fomos lá para a Brema, pedir que alguém fosse até o Tadeu, mas não podíamos revelar a identidade do indivíduo porque se tratava do sobrinho deles, isso explicava a semelhança com o Zé, e não saberíamos qual reação eles teriam. Saímos na escuridão da noite. Quando chegamos à estrada, cada barulho me arrepiava da cabeça aos pés. Meu pai e meu irmão foram para a casa do Senhor Vicente, não podiam ficar ali, não sabíamos se o indivíduo estava sozinho.
Ouvimos a sirene da ambulância lá pelas três da madrugada. No outro dia, ouvimos na Rádio Farroupilha que um indivíduo do interior de Cristal havia sido internado no Hospital de Porto Alegre com cinco tiros, sem mais detalhes. Ficamos com medo de que ele sobrevivesse e voltasse para se vingar. Ele morreu dez dias depois.
Fico pensando, se ele tivesse tomado a arma do meu irmão, acredito que eu não estaria aqui para contar a história, ele teria matado todos nós.
Logo que amanheceu meu pai foi pessoalmente contar para o Sr. Saul o que havia ocorrido na noite anterior e todas as atrocidades que vinham acontecendo no nosso sítio. O pobre Senhor envergonhado pediu desculpas de cabeça baixa, estava muito envergonhado pelo que o filho fizera. Havia dado abrigo para o filho e a família, na velha estufa de fumo, depois que ele havia fugido de Porto Alegre foragido da policia e prometido de morte por bandidos. O mais triste é que ele tinha uma família, quatro filhos pequenos e uma mulher. O que não entendemos até hoje, como pode fazer tão mau a nós, a ele e a própria família?
A raposa havia ido buscar as duas últimas galinhas que restavam no poleiro e deixou a cabeça. Só então, entendi a metáfora.
Logo depois do sepultamento do filho, apesar da dor e da vergonha, O Senhor Saul apareceu lá em casa levando embaixo do braço o rádio, o lençol e o chinelo que o filho havia roubado e mais algumas coisas que não tínhamos notado a falta. Mostrou o quanto era humilde e honesto e não entendia como seu filho havia se corrompido, fora criado com todo amor, tinha tudo; Digo tudo que se necessita, não quer dizer tudo que se quer. Mas o necessário deveria bastar. Havia criado mais quatro filhos, todos honestos e trabalhadores, apenas um havia se corrompido. Fico questionando: Até onde um pai pode interferir no caráter de um filho?

AMARAL,Janice

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